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Paulo Barroso, Romarias de Guimarães -  património simbólico, religioso e popular

Romarias de Guimarães: Património Simbólico, Religioso e Popular é o título de um trabalho de investigação desenvolvido por Paulo Barroso, docente do ensino superior e investigador a concluir o doutoramento em Filosofia na Universidade de Santiago de Compostela, em Espanha.

Após um moroso trabalho de recolha e paciente esforço de pesquisa científica, o autor contraria a ausência de trabalhos sobre esta temática. Mais do que um inventário das romarias de Guimarães, o livro Romarias de Guimarães: Património Simbólico, Religioso e Popularconstitui um contributo para a valorização do património intangível.

Movimentos migratórios de massas populares para a prestação de culto, as romarias são jornadas de devoção de fiéis a lugares considerados sagrados, onde realizam-se actos festivos que congregam as pessoas vindas de diversas localidades, mais ou menos distantes, e que podem compreender actos religiosos e profanos. São festas religiosas associadas a elementos profanos de natureza lúdica. Enquanto forma de expressão da religiosidade popular, a diversão chega, por vezes em nome da tradição, a sobrepor-se à devoção. Tradição que parte do pressuposto fundamental de que a divindade exerce, em determinado lugar, influência positiva resultante em benefícios especiais para os que a visitam.

A aplicação do conceito teórico de “romaria” no terreno levou à exigência, por parte do autor do livro, de apurar com rigor as manifestações festivas de cariz religioso de Guimarães, pelo que se consideraram 40 os eventos que mais se aproximam da definição. Desta forma, são as seguintes as romarias que a obra incluiu: Santo Amaro (Arosa, Mascotelos, Donim e São Martinho de Sande), São Sebastião (Cerzedo e Fermentões), São Brás (São Jorge de Selho, Figueiredo e São Lourenço de Sande), Santa Apolónia (Silvares), Senhora da Saúde (São Clemente de Sande), Senhora da Luz (Creixomil), Senhora do Bom Despacho (Gominhães), Senhora dos Remédios (Barco), Madre de Deus (Azurém), Festa das Cruzes (Cerzedelo), Romaria Pequena de São Torcato, Senhoras do Monte (Cerzedelo), Senhor dos Aflitos (Nespereira), Senhora da Lapinha (Calvos), Romaria Grande de São Torcato, São Bento de Cardido (São Cristóvão de Selho), Senhora do Carmo (Costa), São Tiago (Ronfe), Santa Maria Madalena (Longos), São Gualter (São Sebastião), São Romão (Divino Salvador de Briteiros), Senhora da Ajuda (Gondomar), Senhora da Oliveira, São Bartolomeu (São Martinho de Candoso e Cerzedelo), Santo Antonino (Mesão Frio), Senhora da Penha (Costa), São Mateus (Gonça), São Miguel (Vermil), São Martinho (São Martinho de Candoso), Senhora da Conceição (Azurém), Santa Luzia (São Paio e Moreira de Cónegos) e Senhor do Padrão (Gandarela).

A obra, de 370 páginas, conta com a colaboração do Arcebispo Primaz de Braga, Dom Jorge Ortiga, e do Arcipreste de Guimarães e Vizela, Padre Armando Luís de Freitas, bem como o contributo de festeiros, romeiros e de todos os párocos do arciprestado de Guimarães.

Na Nota Introdutória do livro, Dom Jorge Ortiga escreveu: “fenómeno de importância ímpar, como sinal desta marca no quotidiano das pessoas e comunidades, são as Romarias como um misto de expressão de fé e cultura popular”. “Habitualmente encerram conteúdos que caracterizam o passado e manifestam as exigências do presente. Neste contexto, parece-me de extrema actualidade a presente obra”, sublinhou o Arcebispo Primaz de Braga. De acordo com Dom Jorge Ortiga, “por um lado, registamos um património que nunca podemos desvalorizar; por outro, intuímos a riqueza da fé que foi capaz de gerar uma cultura à medida do povo”. “Se as Romarias são um Património, devem tornar-se uma interpelação”, concluiu o Arcebispo.

No Prefácio, o Padre Armando Luís de Freitas considerou que “o pensamento que melhor define as linhas escritas deste livro, que nos apetece ferir com o ósculo infinito de uma benção, é a certeza de que a investigação ora levada a cabo por Paulo Moutinho Barroso reverte em manancial inesgotável de recursos seguros para a história religiosa vimaranense que, nesta temática específica, jamais alguém se tinha abalançado”. Para o Arcipreste de Guimarães e Vizela, “o pioneirismo do trabalho em causa é credor dos maiores encómios e assaz dignificante para a historiografia moderna”.

O livro divide-se em duas partes: a primeira, constituída por uma abordagem teórica sobre o fenómeno romeiro, procura enquadrar os comportamentos sociais dos vimaranenses em torno de usos e costumes, bem como de crenças e práticas de religiosidade popular, tendo em conta uma perspectiva científica interdisciplinar; a segunda, composta por uma apresentação textual e fotográfica de cada uma das 40 romarias que anualmente ocorrem, de forma espontânea e participada, no concelho de Guimarães.

Aglutinando pessoas vindas de localidades mais ou menos distantes, estes actos festivos compreendem rituais como o cumprimento de promessas e englobam outros aspectos da realidade social cuja importância religiosa, económica e cultural reflecte múltiplas vivências em torno de espaços considerados sagrados.

Durante todo o ano e desde tempos ancestrais, milhares de pessoas “alimentam” a chama de uma tradição que é, também, a de uma identidade, mediante a realização de manifestações religiosas colectivas, espontâneas e voluptuosas. Manifestações que evidenciam a peculiaridade histórica, social e cultural quer da região do Minho quer das suas gentes. Como acontecimentos de envolvente simbolismo e de multifacetada expressividade de uma identidade local e colectiva, apesar de apresentarem denominadores comuns, as romarias são fenómenos que caracterizam e determinam, principalmente, o património histórico-cultural de Guimarães. Património também religioso e popular, que se traduz em festas (não necessariamente patronais, de freguesia ou de paróquia), capazes de aglutinar indivíduos provenientes de diferentes locais, alguns distantes (como os emigrantes vindos propositadamente à terra de nascença), em idênticos rituais de culto num espaço sagrado comum e mediante a partilha e compreensão acordada de símbolos.

A obra Romarias de Guimarães: Património Simbólico, Religioso e Popular é o resultado de um estudo que teve como principais objectivos:

1) registar e promover, por um lado, descrever e analisar, por outro lado, o que poder-se-ia referir por diversas evocações romeiras, no concelho de Guimarães, que têm feito perdurar no tempo manifestações populares influentes para a construção de uma identidade local e cultural, marcada por uma forte complementaridade entre uma componente religiosa e uma componente profana;

2) distinguir os usos e os costumes dos vimaranenses, relativamente às crenças, rituais e festividades religiosas, que mantêm acesa a chama de uma tradição assente na afirmação de uma identidade regional singular;

3) sistematizar as principais romarias do concelho de Guimarães;

4) descrever o designado património histórico-cultural, ao qual se deve igualmente juntar os indissociáveis adjectivos “religioso” e “popular”, mediante o estabelecimento de uma complementaridade entre uma componente teórica, fruto do domínio de metodologias de identificação, leitura, reflexão, interpretação, selecção, recolha, organização e tratamento de conteúdos informativos de cariz científico (relacionados com o objecto de estudo) e uma componente prática, traduzida pelo contacto directo com os principais intervenientes e organizadores das romarias no local e à hora da festa, enquadrada pela objectiva de uma máquina fotográfica, capaz de representar a realidade observada (o objecto de estudo: as romarias) e testemunhá-la com a fidelidade que as palavras não permitem;

5) criar um género de “guia” que sirva de instrumento informativo e de difusão dos valores, usos e costumes religiosos e tradicionais vimaranenses, de modo a aprofundar a compreensão do sentido das diversas devoções populares;

6) contribuir para a definição e afirmação de uma peculiar identidade cultural e local.

Em função dos objectivos propostos, as características da investigação desenvolvida confluíram no conhecimento das actividades romeiras e, consequentemente, no conhecimento do concelho de Guimarães, com fortes traços tradicionais na cultura popular de cariz religioso.

Por conseguinte, a metodologia que conduziu à concepção da obra teve em conta um dos traços característicos da investigação: a descrição das manifestações que levam à participação dos romeiros. Como fenómenos capazes de unir no mesmo espaço e na mesma hora milhares de pessoas, muitas forasteiras, em torno de crenças populares que caracterizam o concelho de Guimarães e o seu povo, as romarias, por si só, já condicionaram a natureza da investigação.

Como resultado da concretização dos objectivos supracitados, realizaram-se entrevistas junto dos romeiros e organizadores dos eventos (párocos, irmandades, confrarias e/ou comissões de festas, anciãos e outros privilegiados informadores participantes), bem como inquéritos sobre as características de cada romaria. Todas as informações recolhidas pela via empírica ou teórica possibilitaram a formalização do objecto de estudo, a compreensão do estado da questão sobre as romarias, hipóteses de trabalho e respectivas fundamentações.

Considerando que as imagens e as palavras podem e devem complementar-se harmoniosa e esclarecedoramente, o autor pensou oportuno apostar na componente imagética sem descorar o seu complemento com palavras explicativas do que as imagens representam.

A pretensão de descrever as romarias, quanto aos aspectos simbólicos, religiosos e populares que suportam a temporalidade e a identidade local expressa pelo conjunto de práticas e de crenças dos romeiros, principalmente dos vimaranenses, assenta na ideia de perpetuação do que já se tornou comum apelidar de “memória colectiva”. Como os factos religiosos são caracterizados pelo sobrenatural e pelo misterioso, a memória é alimentada pelo que se pode designar de função fabuladora de produção com representações imaginárias, cuja utilidade passa pela desarticulação da realidade e pela coesão social.

A elaboração do presente livro Romarias de Guimarães: Património Simbólico, Religioso e Popular contemplou o estudo e observação dos fenómenos romeiros no concelho de Guimarães, ao longo de 28 meses. O estudo reúne o material resultante da pesquisa sobre este específico objecto de estudo científico, desde a ideia e projecção, em Janeiro de 2002, até ao fim da aplicação teórica no terreno, redacção final e concepção gráfica, em Abril de 2004.

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A capa da obra faz alusão à extinta romaria de S. Tiago da Costa, acontecimento que, até ao final do segundo quartel do século XX, ostentava uma posição relevante no imaginário colectivo vimaranense.