Grupo de História das Populações

Investigadores Projecto Espaços Urbanos

 

CARVALHO, Maria Elza Gonçalves Rodrigues - Basto (Santa Tecla) Uma leitura geográfica (do século XVI à contemporaneidade)

Pretendemos mostrar neste estudo o processo pelo qual Santa Tecla, freguesia inserida na NUTE III, a
Região do Tâmega, é elemento integrante das Áreas Periféricas.

O facto de termos recuado aos sécs. XVI e XVII, acrescido da circunstância da escala de análise ter sido, frequentemente, os lugares, limitou as Fontes disponíveis e dificultou, não raras vezes, linhas de investigação que trariam, provavelmente, um melhor conhecimento da freguesia. Pensamos, contudo, termos abordado questões fundamentais que podem explicar a situação periférica do território em estudo.

Como em breve resumo deixamos algumas reflexões sobre o que de mais saliente terá resultado deste trabalho.

População, que sempre teve como actividade principal a agricultura, a sua sobrevivência, também sempre dependeu da forma como aproveitou o seu território.

A pressão demográfica, característica de Santa Tecla, nos quatro séculos em estudo, justifica a forte mobilidade dos seus habitantes. Somos sensíveis ao fenómeno migratório, nos séculos XVII e XVIII, pelas leituras dos Registos Paroquiais de Casamento, quando nos debruçámos sobre a naturalidade dos nubentes e do Livro de Testamentos Transcritos, quando identificámos testadores a fazerem referências a familiares ou a "negócios" sediados no Brasil. O fenómeno migratório tornou-se claro a partir de 1864, com a leitura dos Recenseamentos Gerais da População e agudizou-se, neste século, desde a década cinquenta com o êxodo rural intenso, principalmente para Lisboa e Porto e com o forte surto emigratório para os países europeus, como a França e a ex-República Federal Alemã. Salientamos, ainda os valores dos índices da Descendência Teórica (5,6), no sub-período de 1960 a 1991, valores que consideramos relativamente altos, atendendo a que se referem a uma época do controlo generalizado da fecundidade pelos casais, o que nos permite dizer que Santa Tecla é uma freguesia biologicamente viva apesar do surto, forte e prolongado, da saída da população que a atingiu nas últimas décadas.

Outro fenómeno que nos apraz registar é a tendência positiva na procura da Alfabetização pela população no séc. XVIII. Contudo, esta tendência parece ter diminuído nos séc. XIX e XX. Com o estabelecimento da Escola Oficial em 1904, a Escolarização, a partir dos anos sessenta, torna-se universal e não conseguiu fixar os maiores beneficiados dessa mesma escolarização massiva, pois deixam o seu torrão natal e vão para as Áreas Metropolitanas ou para o estrangeiro.

População, por excelência agrícola, organizou o seu território, no espaço de três séculos, segundo estruturas agrárias bem diferenciadas, as estruturas implícitas na Enfiteuse e as estruturas decorrentes da aplicação do primeiro Código Civil de 1867.

A observação da cartografia sobre a propriedade fundiária, num período médio de cem anos, da Comenda de Veade e do Convento de Arnoia permitiu-nos formular um grupo de questões, sobre a evolução da exploração agrícola enfitêutica, em Santa Tecla, nos séc. XVII e XVIII.

1 - A propriedade enfitêutica tendia para a fragmentação e as explorações agrícolas formadas, por prédios pouco extensos, apresentavam, também, tendência para se dispersarem na paisagem.

2 - O aumento da dimensão das explorações dependia mais dos arroteamentos e melhorias do que da compra de novos prédios rústicos.

3 - A conservação da área das explorações era conseguido através das formas de transmissão da herança, segundo a legislação da época, ao privilegiar o filho herdeiro com a doação da "fazenda" emprazada. Contudo, encontrámos excepções com a divisão da "fazenda" entre irmãos e, logicamente, a divisão fundiária a acentuar-se no território.

4 - Os contratos de compra e venda, bem frequentes na Enfiteuse, ajudavam, na maioria dos casos, a divisão da exploração.

5 - Faziam-se contratos de sub-Aforamento com uma certa periodicidade que contribuíam, também, nas alterações esporádicas da superfície da exploração.

Se nos dois períodos em estudo, secs. XVII-XVIII e actualidade, as estruturas agrárias se confrontam com estruturas jurídicas diferentes, em relação às formas de transmissão da terra por herança, contêm referências comuns, como o direito de comprar e vender, embora em condições diferentes, os usos e costumes, como direitos de servidão nos caminhos, na utilização das águas de rega..... , o que nos permite ler, na perspectiva geográfica e a título comparativo, a dimensão e fragmentação da propriedade rústica para os dois períodos em causa.

1 - Em Santa Tecla, em pleno séc. XX, a fragmentação da propriedade é evidente e a pulverização dos prédios rústicos não é menos significativa e ambas não se distinguem, em sentido lato, da dimensão e da divisão do Domínio útil que caracterizou o séc. XVIII.

2 - No séc. XVIII, ao tomarmos por base a exploração agrícola com uma área superior a 1 ha, diremos que a respectiva dimensão dependia do efectivo de prédios rústicos que a formavam, tal como sucede, nos finais do séc. XX, em que a extensão da propriedade agrícola depende da junção de prédios rústicos com área reduzida.

Com base na investigação desenvolvida fizemos os esboços cartográficos da dimensão e fragmentação do Domínio útil no séc. XVIII e da propriedade agrícola no séc. XX, o que nos permite dizer:
1 - A organização do território de Santa Tecla, tanto no séc. XVIII como no séc. XX, não apresenta alterações de fundo.

2 - Para os dois períodos, diremos que as propriedades, a enfitêutica, no séc. XVIII, e a privada, no séc. XX, tendem para a fragmentação, independentemente da extensão e da disseminação dos prédios rústicos na paisagem. Estes prédios cultivados, também nos dois períodos, constituem as tónicas dominantes e justificam o matiz fundiário que, provavelmente terá predominado em St!2 Tecla, independentemente das duas épocas objecto do nosso estudo.

Sem pretendermos fazer uma comparação exaustiva nas formas de ocupação do solo nos dois períodos objecto do nosso trabalho, séc. XVIII e actualidade, a investigação desenvolvida, permite-nos inferir:

1 - A grande alteração na ocupação do solo, no séc. XX em relação ao séc. XVIII, traduziu-se não só na substituição da floresta de folhosas, carvalhos e castanheiros, por pinhais salpicados com eucaliptos, mas também, na substituição das culturas de sequeiro, o trigo e principalmente o centeio, pela cultura de regadio o milho grosso.

2 - A vinha sempre teria desempenhado um papel significativo na economia das populações e também sempre seria um elemento de relevo na paisagem agrária.

3 - O aproveitamento do solo agrícola estendia-se, no séc. XVIII, por uma maior área, em altitude, do que na primeira metade do séc. XX. O maior rendimento do solo, pela introdução do milho grosso e a rentabilidade do pinheiro bravo poderão ser, em nosso entender, uma das causas que explicarão a substituição dos soutos e das devesas do séc. XVIII, intercaladas de centeio e até de trigo, pelos pinhais do séc. XX.

Santa Tecla, nos finais do séc. XX é um território:

1 - com extensas áreas de cultivo abandonadas e englobadas, algumas delas, na Reserva Agrícola Nacional;

2 - com a prática, nos solos ainda cultivados, de um sistema agrário que "eliminou" culturas e técnicas agrícolas características de uma policultura intensiva tradicional, independentemente da forma de exploração, a exploração por conta própria ou por conta de outrém.

3 - com alguns espaços de fazer e que correspondem a manchas de cultivo abandonadas e vendidas a famílias residentes no Porto ou respectiva Área Metropolitana, que reconstruírem a casa em declínio para habitação secundária.

4 - com um povoamento disseminado, entendido como a casa isolada na exploração ou num pequeno grupo de habitações, o chamado lugar.

5 - com uma exploração que pratica uma agricultura científica, elemento integrante de uma sociedade agrícola sediada no concelho de Ribeira de Pena, e uma outra que encetou, em 1996, a aplicação de um projecto de investimento na cultura da vinha.

6 - com áreas, limitadas, de plantações de folhosas, a substituir a agricultura tradicional.

7 - com uma rede densa e irregular de carneiros e caminhos aos quais são acrescidos os estradões alcatroados e ou ainda em terra batida.

8 - com uma rede viária muito deficitária a conectá-la, quer à sede do concelho quer às regiões limítrofes como o vale do Sousa ou o vale do Ave e, logicamente, a centros como Guimarães, Braga e Porto.

9 - com enquadramento num território mais vasto, as Terras de Basto, território periférico, esvaziado de gentes, onde o isolamento é, também, um dos problemas muito graves que urge resolver.

Com a entrada na Comunidade Europeia, Santa Tecia foi considerada área economicamente desfavorecida e os agricultores abrangidos, no âmbito do PEDAP, por um conjunto de Medidas de Apoio Directo ao Rendimento, como os subsídios na produção de leite, carne, milho, azeite, ovinos...

Até 1995, nenhum agricultor se candidatou através da apresentação de Projectos de Desenvolvimento para a sua exploração, a qualquer um dos Programas de Investimento nas explorações agrícolas, também no âmbito do PEDAP.

A nova Política Agrícola Comum, ao definir, entre outros, como objectivos prioritários a necessidade da manutenção de sistemas policulturais tradicionais, curiosamente as realidades de Santa Tecla e Terra de Basto, os agricultores, desde 1994, têm a oportunidade de conseguirem uma Ajuda/Prémio ao rendimento das suas explorações tradicionais, segundo determinados limites, essencialmente através da combinação de três Medidas: uma Medida que beneficia a criação de gado, outra que abrange a área agrícola e uma terceira que incide nos terrenos incultos, fonte do mato que será lançado na corte do gado que depois de fermentado, irá estrumar os solos aquando das sementeiras.

O PAMAF também viabiliza Projectos de Investimento quer no campo agrícola quer no florestal e que exigem um certo dimensionamento da exploração.

Santa Tecla, inserida na Região Demarcada dos Vinhos Verdes, SubRegião de Basto, reúne todas as condições favoráveis para a plantação das vinhas produtoras de vinho verde de alta qualidade; com as características sadias das águas, do ar e dos solos, torna-se fácil ao agricultor, ainda enraizado nas técnicas da policultura intensiva e tradicional, enveredar por uma agricultura biológica; com manchas significativas de floresta, parcialmente queimadas e com solos cultivados mas sem aptidão agrícola, o agricultor tem a oportunidade de modernizar e, logicamente, rentabilizar a sua floresta. Contudo, pela vivência adquirida no trabalho de campo, ficou-nos a imagem de um agricultor desiludido, céptico e desacreditado nas regras do mercado agrícola, com expressões como: "Quem nos compra os produtos? Ninguém quer a nossa carne, apesar do gado só comer erva do prado Antes que venha o Verão com os incêndios vamos vender alguns pinheiros, mesmo que baratos, pois assim o prejuízo já não é tão grande (... ) Produzir vinho para quê? Para ficar nas pipas? ". Expressões simples mas sinceras e que demonstram bem a necessidade que o agricultor sente, embora muitas vezes o desconheça, de uma certificarão oficial dos produtos de qualidade, a falta de uma rede de comercialização dos produtos certificados, a necessidade da aproximação fácil, em termos de custo e tempo, aos centros consumidores dos produtos com qualidade garantida...

Os problemas de Santa Tecla e das Terras de Basto ultrapassam a boa vontade e sacrifícios dos seus habitantes, que desafiam as suas forças vivas, as Autarquias e a Associação para o Desenvolvimento de Basto, a deixarem as boas intenções e começarem a desenvolver estratégias interrelacionadas que permitam de facto:

1 - a definição de um conjunto de produtos genuínos e de qualidade das Terras de Basto;

2 - a certificarão da genuidade e qualidade desses mesmos produtos;

3 - o estabelecimento de uma rede de comercialização dos produtos certificados, aproveitando as potencialidades, ainda por desenvolver, da Cooperativa Agrícola de Basto;

4 - a preparação/especialização profissional da população local, a jovem e adulta, @@não se esquecendo" do contributo precioso, ainda pouco aproveitado a nível local, da Escola Profissional Agrícola;

5 - o traçado de uma rede viária eficaz às escalas regional, concelhia e de freguesia;

6 - o traçado, não só no novo Plano Rodoviário Nacional, como a respectiva construção e beneficiarão das ligações que "abrirão" e aproximarão, definitivamente, as Terras de Basto à Área Metropolitana do Porto e ao interior transmontano. Estas ligações rodoviárias serão as "portas de saída", não só para todo o Litoral e Interior do País, como para as Fronteiras de Valença e de Chaves, respectivamente.

Após as condições mínimas e essenciais concretizadas, para o aproveitamento equilibrado das Terras de Basto, os recursos locais, naturais e humanos, como as formas novas de Turismo, um tecido de pequenas unidades industriais que aproveitem a matéria prima local, essencialmente os recursos florestais e agro-alimentares, os recursos cinegéticos, as diferentes formas de artesanato, contribuirão de modo decisivo para que, juntamente com uma agricultura a tempo parcial, voltada para a manutenção de uma policultura tradicional e premiada pelas novas medidas da PAC, sejam a solução capaz para que uma população, biologicamente viva, permaneça com uma qualidade de vida superior àquela com que sonha quando, ao iniciar a vida activa, parte ao encontro de novos rumos ainda impossíveis na sua terra.